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Preciso falar sobre a cura gay

Não é oportunismo utilizar este tema como título do post. Não sou afeita a essas técnicas de obter leitores, mesmo querendo muito que meus textos alcancem mais pessoas sensíveis que gostam de uma boa conversa.

Na verdade, a polêmica da cura gay tem me levado a muitos momentos de reflexão sobre a condição feminina. Naturalizações do tipo me remetem à máxima elaborada por Simone de Beauvoir, de que não se nasce mulher, torna-se mulher.

O que entendo desta afirmação é que o sentido dado ao biológico, “natural”, é construído pelo indivíduo a partir do contexto sociocultural em que está inserido. A percepção resulta desse caldeirão de significados que compartilhamos; não é dada, é produzida e reproduzida pelas linguagens.

Questiono o porquê de as pessoas acharem que a cura gay é possível. Elas entendem como escolha, de que eu decido onde depositar meu desejo, tal qual escolher entre Coca-Cola e Pepsi. Mas essas mesmas pessoas afirmam que existe o “instinto” materno, que é inerente à condição da mulher. Fica bem claro que se dá significado ao que vê a partir das experiências pregressas, àquilo que nos foi apresentado como verdade. Tem gente que esquece que a massa cinzenta tem que ser usada para pensar…

Se as várias formas de sexualidade fossem compreendidas como manifestações naturais do ser humano, ninguém acharia que fosse passível de ser radicalmente mudada por meio de intervenções terapêuticas.

O preconceito acontece em função de alguns tabus sociais incômodos e pouco comentados nas famílias que envolvem a sexualidade, como o incesto (cujas restrições variam muito entre as culturas e cujo assunto exigiria laudas), o sexo com crianças, com animais, e outras formas mais bizarras de exercê-la.

Nestes casos, entendo que há, pelo menos, dois aspectos a serem considerados. O primeiro se refere à capacidade do outro consentir, aceitar e participar do ato em igualdade de condições e fruição.  O segundo trata da questão moral.

As crianças tem sexualidade; somos, os humanos, seres também sexuais.  Absolutamente saudável. Mas a criança não tem maturidade nem biológica, nem psíquica, nem social  para vivenciar a sua sexualidade com um adulto.

(Daí vem um idiota e afirma que, se dizem que a homossexualidade é natural,  por analogia, a pedofilia também deve ser.)

Sim,  o desejo é intrínseco ao ser.  Como o desejo de matar do psicopata é genético. Porém, a consumação desse tipo de desejo não acontece sem destruir o outro, sem sacrificá-lo, sem impingir-lhe dor.  A pessoa que deseja, então, tem que conter-se, ser tratada quimicamente, e, se isto não resolver, ser apartada do convívio social. Seja ele (ou ela) hetero, homo ou pansexual.

Também não há discernimento nos animais para consentirem o sexo com um humano. Acho que só os humanos subjugam outra espécie para o sexo… não sei… Sei de homens que iniciaram sua vida sexual com galinhas (que morrem, coitadas), cabras, cadelas, éguas, jumentas ou qualquer ser vivo que tenha um orifício.  Vira até piada, motivo de graça… eu não acho. Acho primitivo, grotesco,  bárbaro. Mas tem gente que ainda “se resolve” assim.

Chegamos à moral e aos tradicionais bons costumes. Não há uma moral única da humanidade. A moral não é dada, é construída pelos grupos, pelos povos.  O conteúdo moral mostra o grau de evolução de uma sociedade. Por isso que, quanto menos restritiva, quanto mais acolhe a diversidade, quanto mais ética, mais abrangente e inclusiva será. E costumes bons, para ser sucinta, são aqueles que ampliam o bem estar do maior número de pessoas e conduzem ao refinamento individual e coletivo.

Portanto, a homossexualidade não é um atentado nem à moral, nem aos bons costumes. As pessoas não são e nem se tornam melhores ou piores ao fazerem sexo consentido só com homens, como homens e mulheres, ou só mulheres adultos (as). Não é algo que interfira no caráter, na dignidade, na capacidade cognitiva, na sensibilidade, na inteligência, etc.

Por fim, a causa deste texto, a condição da mulher. No que se refere à sexualidade, há muito não nos é permitido vivê-la saudavelmente, com autonomia. Mulheres de minha geração foram obrigadas a casar virgens. Masturbação feminina não era sequer comentada, nem nos lares, nem entre as meninas, moças ou senhoras. Sentir desejo não era coisa de moça de família. Toda manifestação feminina de sexualidade era execrada. Antes do casamento.

Daí chegava o grande dia da moça donzela que se orgulhava de se manter casta e de não ter permitido sequer que o noivo chegasse perto dos seios, que dirá dos genitais… desejo já amordaçado e até esquecido. A noite de nupcias era (quase!) um estupro. E os atos posteriores feitos para a satisfação do marido, sexualidade vivida em função dele.

Não passei por isto. Casei grávida aos 16 anos. Tive a oportunidade (e sorte) de fazer sexo com um namorado que eu amava e desejava. Não vou dizer que não senti culpa, medo e desprezo por mim mesma por agir assim. Seria mentira. Nada foi fácil, mas passei por menos tempo de contenção, de restrição e tive a chance de uma trajetória um pouco diferente, com sexo de qualidade. Tive também a sorte separar, conhecer outros homens, de mandar meu superego calar a boca e me deixar experimentar o que de bom e ruim existe nessa seara.

A forma como vivi minha heterossexualidade não foi muito convencional para a minha época.  Ainda não é hoje. Apesar (ou sobretudo) pelas muitas terapias realizadas para me ajustar ao mundo e não dar murro em ponta de faca.

Depois de muitas terapeutas e psiquiatras e devorar livros e livros sobre o assunto, compreendi que o que se viveu fica marcado para sempre, a ferro e fogo, na memória, na atitude, no comportamento, na alma. Aparecem, principalmente, quando das reações instintivas. Não há cura para o que se é.

A autoaceitação é o caminho para ter paz. Mas não há vida plena sem o reconhecimento e aceitação social de ser cidadão e cidadã de primeira classe, sem senões.

E isto ainda falta para homens e mulheres gays e para as mulheres hetero.