Em meio a uma dança com meu parceiro favorito, seguiu-se a seguinte conversa:
- – Ida, como você está leve! Gostoso dançar assim.
- – Sou leve, menino. O que acontece é que, às vezes, não estamos em sintonia. Daí, o clima e a dança ficam pesados.
- – Que nada! Já percebei que tem a ver com o território. Aqui te sentes à vontade. Percebo pelas tuas costas… Hoje, nenhuma tensão.
Não era bem isso, mas deixei para lá. Preferi continuar dançando aquele samba-canção que tanto gosto: sentir a música, a firmeza do toque, a respiração ofegante, em meio aos passos sincronizados, (quase) perfeitos.
Mais tarde, já ao som de Seven years old, mixado como zouk,
olhei para seu rosto e lá estava meu par, de olhos fechados, usufruindo daquele momento tanto quanto eu. Transcendendo, como denominamos esses momentos especiais de êxtase.
A dança é assim, traz-nos para o agora com a mesma intensidade e ao mesmo tempo que desfoca o mundo ao redor.
Mas não é sempre (nem para sempre!) que se dá esta sintonia tão prazerosa. Na verdade, ela é muito, muito rara.
À primeira vista, parece que existem alguns condicionantes afetivos, psicológicos e espaciais para que o encontro aconteça. Dizem uns que é preciso dançar bem, dominar a técnica. Muitos falam da pegada, da segurança, da concentração. Outros, da beleza e flexibilidade. E por aí vai.
Tenho cá minhas dúvidas quanto à essencialidade desses quesitos. Por certo que o estado de humor, a afinidade, a música, o ritmo, a intimidade, a confiança, o lugar, a habilidade, podem mesmo facilitar ou dificultar a interação.
Até me disseram que se pode treinar para eliminar as interferências externas e induzir o estado de êxtase, num processo de imersão total em si mesmo.
Claro que ter este tipo de autocontrole é importante, mas acredito que estar imerso em si, não é o mesmo que compartilhar. “Cheira” um pouco a instrumentalização do outro, a coisificação do parceiro.
Eu, por preguiça ou por idealismo, prefiro a espontaneidade do acaso.
A afinidade espontânea (que na verdade nem é “tão espontânea”, pois vem das nossas preferências e valores interiorizados) dá-nos a sensação da descoberta, do insight por meio encontro.
Surpresa. Delícia. Êxtase.
Cá para nós, a dança é como o sexo. Mais do que técnica e conhecimento, é entrega, fruição. É sentir a si e ao outro como únicos, naquele instante, e estar disposto a se dar e a receber do outro, sem senões, sem condições, sem pressão.
Com vontade, respeito, leveza, alegria e tesão.
Leitura que se torna ainda mais prazerosa pela experiência amadurecida da autora, familiarizada com as sensações que a dança a dois provoca, traz e embala quem a ela se entrega a este ponto. Sensashownal!!!
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Parabéns Ida. Vc é maravilhosa. Sucesso em sua carreira profissional e tb na dança de salão que é o que vc tanto gosta de fazer em suas ocasiões de laser.
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Muito obrigada, Isa, por ler o texto e comentar. Vamos continuar nos encontrando pelos bailes da vida.
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Desculpe Ida, olhar aguçado.
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Amei Ida Lenir. Seu olhar aguçado e penetrante mais uma vez em ação. Obrigada.
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Devidamente editado. Mas o olhar também é regado a muito choro, isto é, aguado. Obrigada, menina Cris. 🙂
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